Reflexão Incomum #5: Por que lemos?


Estava eu pensando sobre o que deveria escrever para minha primeira coluna no blog. Queria que fosse algo simples mas que também demonstrasse como eu desejo contribuir para esse singelo espaço literário e para todos os que ele frequentam. Foi então que me veio uma ideia: por que essas pessoas, eu incluso, gostam de ler? O que as atraí tanto nessa atividade a ponto de passarem horas e horas exercendo-a? Afinal, o que há de tão especial na leitura?

Essa com certeza não é uma pergunta nova. Na verdade ela deve ser quase tão antiga quanto a invenção da própria escrita. E antiga o suficiente para ter gerado uma boa dose de respostas-padrão. Mas aí é que está, eu não gosto de respostas-padrão. Da maneira como vejo, respostas-padrão são eficientes quando estamos lidando com Matemática, Física ou qualquer outra ciência exata que exija uma resposta exata, portanto um padrão. A Escrita e a Leitura não são exatas. A Escrita e a Leitura são as formas mais primitivas e universais que o ser humano possui para a comunicação. E comunicação de qualquer coisa, não apenas de conhecimento. Emoções, aventuras, ideias, conceitos, ensinamentos, tudo isso pode ser encontrado nas páginas de um livro; tentar encontrar um único motivo para a leitura seria como tentar jogar todos esses extremamente diferentes aspectos da comunicação em um único balde e esperar que a mistura resulte em algo bom. Mas não vai.
Só de tentar imaginar uma versão do livro da Chapeuzinho Vermelho que faz um estudo sobre as plantas encontradas no caminho para a casa da vovó enquanto o lobo divaga sobre como é importante achar caminhos mais viáveis para se chegar ao destino pretendido sem maiores obstáculos e... seria terrível um livro desse.
Então, primeiramente eu gostaria de desmistificar essas respostas padrão, mostrar como elas são falhas e não respondem nada por completo. Vamos a elas:

Lemos porque a leitura é uma fuga da nossa realidade

Não é uma razão completamente verdadeira porque, mesmo em uma obra de ficção, esperamos que ela contenha aspectos da realidade que vivenciamos no nosso dia-a-dia. Se fôssemos ler um conto onde pessoas voam por aí, sem que se apresente nenhuma razão para elas conseguirem voar ou alguma razão para estarmos lendo sobre pessoas que voam (uma mensagem, uma metáfora, uma emoção ou algo do tipo) simplesmente não conseguiríamos aproveitar a leitura. Um conto desse não teria nenhuma conexão conosco, simples mortais que estaríamos dedicando parte do nosso tempo para fugir do nossa rotina. Não estou dizendo que não existam obras tão fantásticas e bem desenvolvidas que nos tirem da realidade por alguns momentos. Mas para fazer isso, a obra necessita ter um mínimo de realidade inserido nela, para que possamos nos ligar a ela e assim viajar para essa nova realidade.

Até o Guia do Mochileiro das Galáxias, uma das séries de livros mais aleatórias (e hilárias) que existe precisou dar um jeito para que um de seus personagens aprendesse a voar
Lemos porque a leitura é o melhor meio de comunicação

Bem, como disse anteriormente, a leitura e a escrita são uma das formas mais primitivas e universais de comunicação. Mais até do que a fala, acredito eu, pois a fala se perde no tempo enquanto a escrita pode ser preservada por séculos e ainda ser compreendida e admirada. Porém, isso não faz dela necessariamente o melhor meio de comunicação. Arte, entretenimento ou conhecimento podem todos serem adquiridos através da leitura assim como através de outros veículos, portanto se faz necessário observar se um livro, um conto ou qualquer outro veículo que use exclusivamente palavras (e se apoie na imaginação do leitor) é de fato a melhor maneira de apresentar determinada obra de arte, de entretenimento ou de conhecimento.

Para exemplificar, vou colocar uma parte da cena final do meu filme favorito, Três Homens em Conflito. Nem preciso dizer que é um imenso spoiler, mas para falar a verdade o final é bastante previsível. O que torna essa cena tão boa é a intensidade, a atuação e a construção do momento. Em um livro ela poderia vir a ficar boa também, mas jamais chegaria perto de como ficou no filme.


Podem começar a partir dos 3 minutos

Lemos porque e leitura engrandece

Infelizmente não é necessariamente verdade, embora eu acredite que a leitura possa contribuir, e muito, para o caráter e a cultura do indivíduo. Porém, o fato de uma pessoa ter o hábito de ler não a torna uma pessoa boa, inteligente e educada, o mesmo servindo para o contrário. Existem livros e mais livros, dos mais variados tipos para os mais variados públicos, e ler ou deixar de ler não altera em nada o que a pessoa é, a não ser que a experiência de ler seja forte o suficiente para muda-la de algum jeito. Se a leitura de fato engrandecesse então não haveriam opiniões tão divergentes em relação a tantos livros, principalmente os clássicos.
Não gostar de Machado de Assis não torna ninguém inferior, assim como adorar As Crônicas de Nárnia não torna ninguém infantil. Nossos livros não falam por nós e não dizem que tipo de pessoas somos. No máximo eles dizem quais são nossos interesses gerais, mas nada mais profundo do que isso. Somos engrandecidos pelas nossas atitudes, independente do livro que escolhemos para ocupar o tempo. E também independente da falta desse livro.
O melhor tipo de leitor: o simples
Lemos porque livros são cultura

Talvez em algum ponto da história da humanidade a prioridade de cada escritor fosse expressar sua própria cultura na escrita (por cultura eu entendo como os aspectos que compõem uma sociedade, como governo, práticas, religião, culinária, etc), mas hoje em dia, com o mundo globalizado do jeito que está, fica até difícil dizer qual é a cultura de cada um. A cultura cada vez mais perde os traços de nacionalidade e adquire traços de humanidade. É mais e mais comum as pessoas deixarem de escrever sobre o que as rodeia para escreverem sobre o que está em sua imaginação. Se pararmos para pensar, os grandes livros clássicos do nosso país falam quase que exclusivamente da nossa terra e de como era sua cultura na época em que o livro foi escrito (O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, por exemplo) enquanto que boa parte dos livros atuais desviam da realidade para criar um mundo completamente novo (as obras de André Vianco, por exemplo).
Portanto, dizer hoje que a leitura é uma maneira de entender uma expressão cultural não pode ser considerado como verdade, pois essa amarra não existe mais. O escritor pode ter escolhido expressar toda a ideologia de uma nação como também pode ter escolhido colocá-la em um universo completamente a parte da realidade e de qualquer valor cultural dessa nação.

Se esse livro expressa a cultura americana, eu nunca mais chego perto de lá hehe
Mas então por que, afinal, nós lemos?

No final eu não tenho a resposta para essa pergunta. Não por não ter uma opinião sobre qual ela seria, mas sim porque não quero eu mesmo ser o autor de uma resposta padrão. Como disse no começo do texto, Ler e Escrever não são ciências exatas e portanto não exigem respostas exatas. Quem geralmente exige uma resposta exata para tudo é o ser humano, mas felizmente ele não tem como encontrar essas respostas sempre. Eu digo felizmente porque grande parte do prazer da leitura está justamente em não termos um bom e único motivo para praticá-la. Nós estamos nessa porque gostamos, porque nos faz bem e não faz mal a ninguém, e isso é motivo mais do que suficiente para qualquer um ler. 
Digo mais, é motivo mais do que suficiente para qualquer um fazer qualquer coisa.

Paz.
Guilherme

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